Estudo revela impacto da Síndrome Congênita do Zika (SCZ) na saúde infantil no Brasil
[Foto: Ilustrativa / Rodrigo Nunes / MS]
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e publicada no International Journal of Infectious Disease revelou dados sobre o impacto da Síndrome Congênita do Zika (SCZ), especialmente nas crianças afetadas pelo surto de microcefalia, que surgiu em 2015. Hoje, essas crianças têm cerca de dez anos, mas uma minoria sobreviveu ao primeiro ano de vida devido às complicações geradas pela doença.
A SCZ, provocada pela infecção do vírus Zika transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, compromete o tamanho da cabeça e o desenvolvimento neuronal, resultando em sequelas graves, segundo informou a Fiocruz. O estudo, liderado pelo médico João Guilherme Tedde, investigou os riscos de hospitalização das crianças com SCZ e comparou as taxas de admissões hospitalares com crianças sem a síndrome. A pesquisa envolveu dados de 2 mil crianças com SCZ e cerca de 2,6 milhões de crianças sem a síndrome, analisando taxas de internações, suas causas e a duração das hospitalizações nos primeiros quatro anos de vida.
“Analisamos as principais causas e a frequência das internações, assim como a duração dos períodos hospitalares, para orientar decisões mais eficazes no tratamento das crianças afetadas pela síndrome”, explicou o médico.
Resultados do Estudo
Os resultados indicam que as crianças com SCZ foram hospitalizadas entre 3 a 7 vezes mais frequentemente do que as crianças sem a síndrome. Além disso, elas ficaram internadas por períodos significativamente mais longos. As principais causas de hospitalização para os pacientes com SCZ foram malformações congênitas, doenças neurológicas, problemas respiratórios e infecções.
Segundo Tedde, esses pacientes enfrentam uma carga de morbidade mais alta do que aqueles sem SCZ, o que significa que as crianças com a síndrome estão mais suscetíveis a complicações, enfrentando um ciclo vicioso de doenças combinadas que aumentam o risco de hospitalização. Além das condições típicas da idade, como infecções e doenças respiratórias, essas crianças apresentam complicações diretamente relacionadas à SCZ” afirmou.
O estudo também revelou que o impacto financeiro para as famílias das crianças com SCZ é significativo. Aproximadamente 30% das famílias relataram que as despesas com os cuidados das crianças afetadas ultrapassaram 40% de sua renda anual. A síndrome não só traz um alto custo financeiro, mas também gera um impacto emocional, devido à complexidade do cuidado e ao sofrimento contínuo das crianças.
Desigualdade Regional
A pesquisa aponta que o Nordeste concentra o maior número de casos de SCZ, especialmente em famílias de baixa renda, muitas das quais dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) e de programas de transferência de renda. Essa desigualdade contribui para a dificuldade de acesso a tratamentos adequados e cuidados médicos especializados.
Necessidade de Planejamento de Cuidado e Vacina contra o Zika
Os pesquisadores destacam a urgência de planos de cuidado estruturados para crianças com SCZ, visando a otimização das condições de saúde de base e a redução dos riscos de novas hospitalizações. Tedde enfatiza que é necessário investir em manejo ambulatorial, ou seja, cuidados médicos constantes fora do ambiente hospitalar, para evitar complicações.
“Nossos achados apontam para a urgência de elaborar planos de cuidado estruturados, com foco no manejo ambulatorial das crianças com SCZ. O objetivo deve ser otimizar as condições de saúde de base e minimizar os riscos de intercorrências que levem a novas internações.”, reforçou o líder da pesquisa.
Além disso, resultados preliminares de uma outra pesquisa da mesma equipe indicam que o risco de morte para as crianças com SCZ é muito mais elevado em comparação às crianças sem a síndrome. O risco de morte para doenças do sistema respiratório é 30 vezes maior, para doenças infecciosas 28 vezes maior, e para doenças do sistema nervoso 57 vezes maior.
Por fim, os pesquisadores reforçam a urgência de desenvolver uma vacina contra o vírus Zika, que seja capaz de oferecer imunidade duradoura, para evitar o aumento de casos de SCZ e garantir a proteção das futuras gerações. O objetivo é conseguir um avanço no controle do vírus, sendo possível se a “sociedade permanecer de olhos abertos para esta questão.”
A pesquisa contou com a colaboração de pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), além de outros parceiros da Fiocruz Bahia.
Zika
O vírus zika, um arbovírus pertencente à família Flaviviridae, compartilha a transmissão por mosquitos Aedes aegypti e A. albopictus com outras doenças, como dengue e febre amarela. No entanto, o zika tem uma característica única que o torna especialmente preocupante no contexto da saúde pública: a transmissão vertical, ou seja, da mãe para o feto. Essa transmissão pode resultar em malformações congênitas graves, como a microcefalia, condição que gerou uma epidemia no Brasil em 2015 e resultou em declarações de emergência tanto no país quanto em âmbito internacional.
O Brasil registrou em 2015 um aumento no número de casos de microcefalia, o que levou o Ministério da Saúde a declarar uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em novembro do mesmo ano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) seguiu com a declaração de uma Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (Espii) em fevereiro de 2016. Ambas as declarações foram encerradas entre 2016 e 2017, mas o impacto do vírus e suas consequências continuam sendo uma realidade para muitas famílias.
Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou os dados sobre a Síndrome Congênita do Zika (SCZ), com informações de 2015 a 2023. Durante esse período, a pasta informou que foram notificados 22.251 casos suspeitos de SCZ, dos quais 3.742 (16,8%) foram confirmados como infecções congênitas, e 1.828 desses casos foram classificados como SCZ. A maior concentração desses casos foi na região Nordeste, com 75,5% dos registros.
Perfil das crianças afetadas
A maioria das crianças com SCZ foi nascida entre 2015 e 2017, período crítico da epidemia. Entre as 1.828 crianças com SCZ confirmada, houve uma ligeira predominância do sexo feminino (51,2%), e 70% delas nasceram a termo, com peso adequado ao nascimento. Em 2023, apenas seis casos de SCZ foram confirmados, sendo quatro nascidos vivos, um aborto espontâneo e um natimorto. A grande maioria dos casos de SCZ aconteceu nos primeiros anos da epidemia.
Mortalidade e sequelas
Entre 2015 e 2023, o Brasil registrou 261 óbitos entre as crianças com SCZ, sendo 56 fetais, 42 abortos espontâneos, e 162 óbitos pós-natais. Em 2023, foram contabilizados sete óbitos de crianças com SCZ confirmada, incluindo três óbitos em crianças nascidas em 2015, dois recém-nascidos em 2023 e dois natimortos.
O Ministério da Saúde não divulgou dados sobre sequelas específicas da SCZ, mas um estudo norte-americano publicado em setembro de 2023 trouxe algumas informações. A pesquisa acompanhou 2.248 crianças nascidas vivas entre 2016 e 2021, das quais 122 (5,4%) apresentaram malformações associadas ao vírus zika, com destaque para alterações cerebrais (91,8%), alterações oculares (23,0%) e comprometimento de ambos (14,8%).
Além disso, 46,8% das crianças com infecção congênita pelo zika apresentaram sequelas neurológicas e atraso no desenvolvimento, em contraste com apenas 1,5% nas crianças não afetadas pelo vírus.
Medidas de prevenção
Embora os casos de SCZ tenham diminuído substancialmente no Brasil desde 2017, ainda há registros esporádicos da síndrome, especialmente em áreas com alta prevalência do mosquito Aedes aegypti. O uso de medidas de proteção individual contra o mosquito, como repelentes e controle de focos de água, é fundamental, especialmente para mulheres grávidas ou em idade fértil.
*Com informações de Fiocruz e Unasus