
[Foto: Richard Souza / AN]
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na manhã desta quarta-feira (03/09), a fase de sustentações orais das defesas dos réus no caso da tentativa de golpe de Estado. Foram ouvidos os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos generais da reserva Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. O julgamento será retomado na próxima terça-feira (09), quando o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, iniciará a leitura do seu voto.
As defesas se concentraram em contestar a validade das provas e as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Alegações das defesas
Augusto Heleno
O advogado de Heleno, Matheus Mayer Milanez, pediu a absolvição do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ele alegou nulidade das provas e a falta de qualquer evidência que ligue Heleno à trama golpista, aos atos de 8 de janeiro, à operação “Punhal Verde e Amarelo” ou a atividades de espionagem. Milanez também acusou a Polícia Federal (PF) de manipular anotações da agenda pessoal de Heleno para criar uma “narrativa artificial de protagonismo”.
“Afastamento da cúpula do poder”
Representando o general Heleno, o advogado Matheus Milanez argumentou que seu cliente se distanciou de Bolsonaro no final do mandato presidencial, chegando a mal se reunir com o então presidente. Milanez associou esse afastamento à aproximação de Bolsonaro com partidos do Centrão.
“Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos do Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento da cúpula do poder”, afirmou Milanez em sua sustentação oral na manhã desta quarta-feira (03/09). O argumento busca demonstrar que Heleno não teria participado de conversas sobre uma tentativa de golpe com o ex-presidente.
Gabinete de crise
Outro ponto levantado pela defesa foi a busca em minimizar a importância de uma caderneta apreendida pela Polícia Federal (PF), usada pela PGR como evidência de que o general estaria envolvido em estudos para um golpe. A acusação afirma que a agenda continha anotações que sugeriam à Advocacia-Geral da União a criação de um parecer para justificar o descumprimento de ordens judiciais.
Para o advogado, no entanto, “essa agenda era somente um suporte da memória do próprio general”, e não um documento de trabalho usado em reuniões do governo.
Milanez também refutou a ideia de que o fato de Heleno ser citado em um documento como membro de um gabinete de crise pós-golpe, encontrado com outro réu, seja prova de sua participação na trama. “Só porque no papel está escrito que ele seria o chefe do gabinete de crise significa que ele participou, que ele estava envolvido? O papel aceita tudo”, disse ele, enfatizando que não há conversas ou provas que liguem o general à proposta. “Que fique claro: nenhum militar foi procurado pelo general Heleno, nenhum militar foi pressionado [por ele]”, acrescentou, citando depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas.
Advogado critica postura de Moraes
Ainda em sua sustentação oral, Milanez questionou a postura do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. O advogado relatou que, durante a audiência, o ministro teria indagado uma testemunha sobre uma publicação em rede social que não constava nos autos do processo.
“Ou seja, nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público que não fez isso? Qual é o papel do juiz julgador? Ou é o juiz inquisidor? O juiz não pode em hipótese alguma se tornar protagonista do processo”, indagou Milanez.
Jair Bolsonaro
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL/RJ) afirmou, durante o segundo dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que “não há uma única prova” de sua participação na suposta trama golpista. O advogado Celso Vilardi, um dos defensores, argumentou que Bolsonaro foi “dragado” para os fatos investigados e que ele “não atentou contra o Estado Democrático de Direito”.
Celso Vilardi baseou a defesa em um questionamento central sobre as evidências. Para ele, o processo tem como “epicentro” a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e uma minuta encontrada em um celular. O advogado classificou a delação de Cid como não confiável, afirmando que ele “mudou a versão várias vezes” e que as contradições do tenente-coronel justificariam a anulação da colaboração premiada.
“Um processo com base em uma delação e em uma minuta encontrada em um celular de uma pessoa que hoje é colaboradora da Justiça. Esse é o epicentro, essa é a pedra de toque do processo. A minuta e a colaboração. Daí em diante, o que aconteceu com a investigação da Polícia Federal e, depois, com a denúncia do Ministério Público é, na verdade, uma sucessão inacreditável de fatos”, disse o advogado.
Vilardi também refutou a ligação do ex-presidente com os documentos e eventos mencionados na acusação. “Não há uma única prova que atrele o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, à Operação Luneta e ao 8 de janeiro”, disse. Ele acrescentou que “nem o delator” chegou a mencionar a participação de Bolsonaro nessas ações.
Além disso, a defesa de Bolsonaro criticou a falta de tempo e acesso a provas. Vilardi relatou que recebeu 70 terabytes de dados da Polícia Federal e teve um prazo de apenas 15 dias para a defesa, enquanto o Ministério Público e a PF tiveram mais tempo. “Eu não conheço a íntegra desse processo”, declarou.
“Não tivemos acesso a provas. E, muito menos, prazo suficiente”, reforçou Celso Vilardi.
Crimes e transição de governo
O advogado Paulo Cunha Bueno, que também defende Bolsonaro, afirmou que o ex-presidente não discutiu a minuta golpista. Segundo ele, o texto, encontrado no celular de Bolsonaro, teria sido enviado por um advogado e não foi debatido. Bueno também argumentou que o ex-presidente não deu início à decretação de medidas constitucionais como o estado de sítio, que dependem de aprovação do Congresso.
“Eu insisto em dizer que o estado de defesa e o estado de sítio são dos atos mais colegiados da nossa legislação. Não são atos de força unilateral do presidente da República. E é indiscutível que o ex-presidente em momento algum deu início para a decretação dessas medidas constitucionais. E não há elemento que ateste que ele estava na iminência de fazê-lo”, disse.
A defesa ainda questionou a acusação de crimes que exigem violência ou grave ameaça, como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Para Vilardi, “dizer que o crime de abolição do Estado Democrático de Direito começou numa live… sem violência, é subverter o próprio Código Penal”. Ele argumentou que, no máximo, o que houve foram atos preparatórios, mas não a execução dos crimes.
Em contraponto às acusações, a defesa de Bolsonaro sustentou que ele colaborou com a transição de governo, ordenando que os caminhoneiros desobstruíssem as rodovias e servindo de ponte entre os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa nomeado por Lula, José Múcio. A defesa argumentou que, após 31 de dezembro de 2022, Bolsonaro não era mais responsável por esses eventos.
Paulo Sérgio Nogueira
O advogado Andrew Fernandes Farias, que defende o ex-ministro da Defesa, afirmou que Nogueira é inocente e que ele sempre agiu para evitar medidas de exceção. A defesa citou depoimentos de Mauro Cid e do brigadeiro Baptista Júnior, que confirmaram que Nogueira tentou dissuadir Bolsonaro de tentar um golpe e o aconselhou a reconhecer o resultado das eleições.
Walter Braga Netto
O advogado de defesa do general Walter Braga Netto, José Luis Mendes de Oliveira Lima, conhecido como Juca, afirmou que seu cliente pode ser condenado à prisão com base em uma “delação premiada mentirosa” de Mauro Cid.
Juca criticou a delação, sustentando que Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, teria sido coagido a depor. O advogado se baseou em áudios de Cid publicados em uma revista, onde o tenente-coronel alega ter sido pressionado. “Não há a menor dúvida de que a voluntariedade nesse acordo de colaboração premiada ficou à margem. [Mauro Cid] Foi coagido sim, e quem falou não foi este advogado, quem falou foi ele”, afirmou Juca.
Contradições na delação
O advogado de Braga Netto também destacou as supostas inconsistências no depoimento de Cid, afirmando que ele teria dado 15 versões diferentes sobre os fatos investigados. Juca apontou que a acusação mais grave contra o general, de que teria financiado o golpe com uma grande quantia de dinheiro em espécie entregue em uma sacola de vinho, só apareceu 15 meses após o primeiro depoimento de Cid.
“É razoável imaginar que um delator demore 15 meses para trazer este fato ao eminente relator, ao Ministério Público, à polícia? É um escândalo!”, disse o advogado. “É com essa mentira que meu cliente vai ser condenado por 20 anos, que meu cliente vai morrer na cadeia?”, indagou.
Juca chamou Cid de “irresponsável” e “artista de péssima qualidade”, e classificou a delação como “um pó, não para em pé, ela não é nada”. O advogado de Braga Netto também ressaltou que as despesas das ações consideradas golpistas foram pagas com cartão de crédito, e não em dinheiro, o que contradiz a versão de Cid.
PGR
Na terça-feira (02), primeiro dia de julgamento, após a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, relator, que trata da tentativa de golpe de Estado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu a procedência da acusação contra os oito réus do chamado Núcleo 1, também denominado “Núcleo Crucial”.
Segundo Gonet, a denúncia descreve a formação e a atuação de uma organização criminosa entre meados de 2021 e o início de 2023, voltada a promover a ruptura da ordem democrática. O procurador-geral afirmou que a acusação foi embasada em provas documentais, como arquivos digitais, planilhas, discursos prontos e mensagens trocadas entre os investigados.
De acordo com a PGR, o grupo era liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e contava com a participação de autoridades de alto escalão do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência. O objetivo, segundo Gonet, era enfraquecer a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, atingir o livre funcionamento dos poderes constitucionais e desacreditar o sistema eletrônico de votação.
O procurador-geral destacou ainda a existência do plano denominado Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato do presidente eleito e de seu vice por envenenamento, além da “neutralização” do ministro Alexandre de Moraes. O projeto envolvia monitoramento de autoridades, compartilhamento de dados de segurança, uso de armamento pesado e admitia a alta probabilidade de mortes.
Embora grande parte das descobertas tenha ocorrido por meio das investigações da Polícia Federal, Gonet ressaltou que a colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid foi relevante para aprofundar a apuração dos fatos.
O procurador-geral observou que os ataques às instituições tiveram como principais alvos o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerados por ele órgãos fundamentais para o equilíbrio democrático e a proteção dos valores constitucionais.
Crimes em análise
Os oito acusados — entre eles Bolsonaro e ex-auxiliares — respondem pelos crimes de:
- Organização criminosa armada
- Atentado violento contra o Estado Democrático de Direito
- Golpe de Estado
- Dano qualificado por violência e grave ameaça
- Deterioração de patrimônio tombado
Somadas, as penas podem ultrapassar 40 anos de prisão.
Réus do Núcleo 1
Respondem à ação penal:
Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin
Almir Garnier Santos, almirante e ex-comandante da Marinha
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do GSI
Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa
Cronograma de julgamento
A sessão foi retomada na manhã desta quarta-feira (03), com as sustentações orais das defesas de Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. A previsão é que a apresentação dos votos dos ministros comece na próxima semana. O cronograma definido para as próximas sessões inclui julgamentos nas terças, quartas e sextas-feiras de setembro.
Calendário do Julgamento – STF
A deliberação dos votos será iniciada pelo ministro relator, Alexandre de Moraes, seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A decisão será tomada por maioria, com a possibilidade de absolvição ou condenação, caso em que as penas serão fixadas de acordo com a
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