
Foto: Aline Souza / AN
O Sistema Único de Saúde (SUS) poderá passar a contar com duas novas alternativas de tratamento para mulheres com endometriose: o Dispositivo Intrauterino Liberador de Levonogestrel (DIU-LNG) e o desogestrel. A incorporação das tecnologias foi oficializada pelo Ministério da Saúde por meio de duas portarias, após recomendação favorável da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).
A medida busca ampliar o acesso a terapias eficazes e de longo prazo no enfrentamento da endometriose, condição ginecológica inflamatória crônica que atinge cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Mais do que inovação, estamos falando de garantir cuidado oportuno e eficaz para milhares de mulheres que convivem com a dor e o impacto da endometriose em seu dia a dia. A oferta desses dois tratamentos representa, acima de tudo, qualidade de vida para as pacientes e um avanço relevante na atualização tecnológica do SUS — fruto de um processo criterioso, conduzido com base nas melhores evidências científicas pela Conitec”, disse o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Atualmente, o SUS oferece abordagem clínica e cirúrgica para a endometriose, com uso de medicamentos hormonais, analgésicos, anti-inflamatórios e acompanhamento multidisciplinar. Procedimentos como videolaparoscopia, laparotomia e histerectomia também estão disponíveis quando indicados.
Novos tratamentos
O DIU-LNG é indicado especialmente para pacientes com contraindicação ao uso de contraceptivos orais combinados, pois atua inibindo o crescimento do tecido endometrial fora do útero. O método, segundo informou o Ministério da Saúde, apresenta como vantagem o longo tempo de duração, com troca recomendada a cada cinco anos.
Já o desogestrel pode ser utilizado como primeira linha de tratamento, ainda durante a avaliação clínica inicial. Trata-se de um anticoncepcional hormonal que reduz a dor e limita a progressão da doença ao bloquear a ovulação e a ação hormonal sobre o endométrio. “Esse medicamento poderá ser usado como primeira linha de tratamento, ou seja, pode ser prescrito já na avaliação clínica até que o diagnóstico se confirme por meio de exames.”
Para que o DIU-LNG e o desogestrel estejam plenamente disponíveis nas unidades de saúde, é necessário o cumprimento das etapas técnicas previstas, como a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Endometriose.
Atendimentos
De acordo com dados do Ministério da Saúde, na Atenção Primária, foram realizados 144.970 atendimentos em 2024, um aumento de 30% em comparação com 2022. Na Atenção Especializada, o crescimento foi de 70%, com 53.793 atendimentos em 2024. O número de internações também subiu 32% no mesmo período.
Segundo a médica radiologista Cassia Domit, especializada em exames diagnósticos da infertilidade feminina, a endometriose pode comprometer o funcionamento dos ovários e das tubas uterinas, dificultando ainda mais a concepção. “A endometriose pode prejudicar a função ovariana e tubária, agravando ainda mais os problemas de fertilidade. Hoje, uma série de exames detectam lesões e determinam a extensão da doença, possibilitando um tratamento mais eficaz”, explica.
Endometriose
A endometriose é uma condição inflamatória crônica que afeta cerca de 176 milhões de mulheres em todo o mundo, sendo mais de sete milhões somente no Brasil, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Caracterizada pelo crescimento anormal do tecido endometrial fora do útero, a doença compromete órgãos como ovários, trompas, intestino e bexiga.
A condição pode provocar sintomas como dor pélvica intensa durante a menstruação (dismenorreia), dor durante a relação sexual (dispareunia) e sangramentos irregulares. Em alguns casos, as perdas de sangue recorrentes podem causar anemia. Os sintomas variam de pessoa para pessoa, o que pode dificultar o diagnóstico precoce.
“É importante ressaltar que, embora esses sintomas sejam comuns em muitas mulheres, nem todas as pacientes com endometriose apresentam todos eles, e a gravidade dos sintomas pode variar de uma pessoa para outra”, disse a médica ginecologista Jaqueline Neves
O diagnóstico da endometriose costuma ser feito com base na história clínica da paciente, exame físico e exames de imagem, como ultrassonografia e ressonância magnética. Em casos específicos, pode ser indicada uma abordagem cirúrgica para a visualização direta das lesões.
O tratamento é individualizado e pode incluir o uso de medicamentos analgésicos, terapias hormonais, mudanças alimentares e, quando necessário, cirurgia para retirada do tecido afetado. Embora não tenha cura definitiva, a endometriose pode ser controlada com acompanhamento médico contínuo, o que melhora a qualidade de vida das pacientes.
Endometriose na adolescência
Segundo o Dr. Marcos Tcherniakovsky, ginecologista e diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Endometriose (SBE), a doença é mais comum no período chamado de menacme – fase entre a primeira menstruação (menarca) e a menopausa.
Entre os sinais de alerta da endometriose em adolescentes estão a forte dor pélvica, indisposição física, desconforto ao urinar ou evacuar, alterações intestinais, ciclos menstruais muito curtos e dores abdominais frequentes. Em casos em que a vida sexual já foi iniciada, a dor durante a relação também pode ser um indicativo.
Apesar de ainda haver resistência no diagnóstico em mulheres mais jovens, especialistas destacam que adolescentes também podem ser afetadas. Dados do site internacional Endometriosis.org indicam que muitos sintomas surgem nessa fase da vida, mas costumam ser negligenciados ou atribuídos a outras causas.
Além do acompanhamento médico, o controle da endometriose pode incluir mudanças no estilo de vida. A alimentação adequada, com menor consumo de alimentos inflamatórios, como carne vermelha, é uma das orientações. A prática de exercícios físicos também é incentivada, já que contribui para a liberação de endorfinas, hormônios com ação anti-inflamatória natural no organismo. O apoio psicológico e a conscientização sobre a doença completam a abordagem recomendada.
“É possível conviver muito bem com a endometriose. Hoje nós damos muita importância para a parte de nutrição, sendo comum nós indicarmos uma nutricionista. Por quê? Existem alimentos mais inflamatórios do que outros, como a carne vermelha, por exemplo. Dar atenção para as verduras, mas aí cabe à própria nutricionista explicar como a importância de uma boa alimentação para a paciente”, disse o Dr. Marcos
O ginecologista destaca que o acompanhamento psicológico e a prática regular de exercícios físicos são aliados importantes no cuidado com a endometriose em jovens. Segundo ele, “não existe motivo para não se realizar exercícios físicos, principalmente porque a endorfina, que é o nosso próprio hormônio interno, é o melhor anti-inflamatório endógeno que nós temos, e os exercícios físicos estimulam a produção de endorfina, e isso acaba sendo bastante importante o tratamento da jovem. Então a primeira coisa é tranquilizá-la, mostrar que ela tem condições de conviver muito bem com isso. Geralmente nessa fase a endometriose pode surgir de forma mais leve e dificilmente possui indicação para uma cirurgia”, finaliza.
*Com informações de Ministério da Saúde