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[Foto: Richard Souza / AN]
O Congresso Nacional derrubou nesta terça-feira (17/06) o Veto 2/2025 ao Projeto de Lei 6.064/2023, que institui pensão vitalícia e indenização por danos morais para pessoas com deficiência causada pela infecção congênita pelo vírus Zika. Com a decisão, a proposta será promulgada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e se tornará lei.
O projeto prevê pagamento de uma pensão mensal no valor de R$ 7.786,02 — equivalente ao teto do Regime Geral de Previdência Social — e indenização única de R$ 50 mil. Ambos os valores serão corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e estarão isentos de imposto de renda. A pensão será paga de forma vitalícia, sem limite de idade.
O benefício poderá ser acumulado com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e com benefícios previdenciários de até um salário mínimo. Também será extinta a exigência de revisão periódica do BPC para beneficiários com deficiência provocada pela infecção durante a gestação.
Além disso, o texto aumenta em 60 dias o período da licença-maternidade e do salário-maternidade para mães de crianças afetadas, incluindo adotivas. A licença-paternidade também será ampliada em 20 dias.
Histórico
A proposta foi apresentada em 2015 pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), ainda durante seu mandato como deputada federal, após o surto de Zika vírus que resultou em dezenas de casos de microcefalia e outras deficiências neurológicas em recém-nascidos. A redação atual foi aprovada pelo Congresso no final de 2024.
Durante a sessão, a senadora classificou o veto como uma “omissão” do Estado e ressaltou que o projeto busca garantir dignidade às famílias que, segundo ela, convivem com a ausência de políticas públicas adequadas desde o início da epidemia.
“O projeto foi protocolado em 2015 para que essas mães, essas famílias pudessem ter, não só a pensão, mas uma indenização pelo que aconteceu porque a gente está falando de uma omissão do Estado, por não ter conseguido combater o mosquito e por não ter saneamento básico decente para o povo brasileiro e a consequência disso foi o surto sim, de Zika vírus” disse Mara Gabrilli.
Posição do governo
Após o veto presidencial, o governo editou a Medida Provisória 1.287/2025, que previa apenas o pagamento de uma parcela única de R$ 60 mil para crianças de até 10 anos com deficiência causada pelo Zika. A proposta foi criticada por parlamentares e associações, sendo considerada insuficiente para atender as necessidades das famílias.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), informou que o veto foi motivado por exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas destacou que a orientação para a derrubada da medida doi do “próprio presidente Lula”.
Justificativas do veto
Na mensagem de veto, o Executivo alegou que a proposta “cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro, identificação da fonte de custeio, indicação de medida de compensação e sem a fixação de cláusula de vigência para o benefício tributário”.
O governo também apontou que a isenção da revisão periódica para beneficiários do BPC nessas condições poderia gerar tratamento desigual em relação a outras pessoas com deficiência. “Ao dispensar da reavaliação periódica os beneficiários do benefício de prestação continuada concedido em virtude de deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, a proposição diverge da abordagem biopsicossocial da deficiência, contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e cria tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência”, alegou o governo.
Com a promulgação, a nova lei entra em vigor e deverá ser regulamentada nos próximos meses.
Zika
O vírus zika, um arbovírus pertencente à família Flaviviridae, compartilha a transmissão por mosquitos Aedes aegypti e A. albopictus com outras doenças, como dengue e febre amarela. No entanto, o zika tem uma característica única que o torna especialmente preocupante no contexto da saúde pública: a transmissão vertical, ou seja, da mãe para o feto. Essa transmissão pode resultar em malformações congênitas graves, como a microcefalia, condição que gerou uma epidemia no Brasil em 2015 e resultou em declarações de emergência tanto no país quanto em âmbito internacional.
O Brasil registrou em 2015 um aumento no número de casos de microcefalia, o que levou o Ministério da Saúde a declarar uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em novembro do mesmo ano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) seguiu com a declaração de uma Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (Espii) em fevereiro de 2016. Ambas as declarações foram encerradas entre 2016 e 2017, mas o impacto do vírus e suas consequências continuam sendo uma realidade para muitas famílias.
Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou os dados sobre a Síndrome Congênita do Zika (SCZ), com informações de 2015 a 2023. Durante esse período, a pasta informou que foram notificados 22.251 casos suspeitos de SCZ, dos quais 3.742 (16,8%) foram confirmados como infecções congênitas, e 1.828 desses casos foram classificados como SCZ. A maior concentração desses casos foi na região Nordeste, com 75,5% dos registros.
A maioria das crianças com SCZ foi nascida entre 2015 e 2017, período crítico da epidemia. Entre as 1.828 crianças com a doença confirmada, houve uma ligeira predominância do sexo feminino (51,2%), e 70% delas nasceram a termo, com peso adequado ao nascimento. Em 2023, apenas seis casos de SCZ foram confirmados, sendo quatro nascidos vivos, um aborto espontâneo e um natimorto. A grande maioria dos casos de SCZ aconteceu nos primeiros anos da epidemia.
Mortalidade e sequelas
Entre 2015 e 2023, o Brasil registrou 261 óbitos entre as crianças com SCZ, sendo 56 fetais, 42 abortos espontâneos, e 162 óbitos pós-natais. Em 2023, foram contabilizados sete óbitos de crianças com SCZ confirmada, incluindo três óbitos em crianças nascidas em 2015, dois recém-nascidos em 2023 e dois natimortos.
O Ministério da Saúde não divulgou dados sobre sequelas específicas da SCZ, mas um estudo norte-americano publicado em setembro de 2023 trouxe algumas informações. A pesquisa acompanhou 2.248 crianças nascidas vivas entre 2016 e 2021, das quais 122 (5,4%) apresentaram malformações associadas ao vírus zika, com destaque para alterações cerebrais (91,8%), alterações oculares (23,0%) e comprometimento de ambos (14,8%).
Além disso, 46,8% das crianças com infecção congênita pelo zika apresentaram sequelas neurológicas e atraso no desenvolvimento, em contraste com apenas 1,5% nas crianças não afetadas pelo vírus.
*Com informações de Senado Federal, Fiocruz e UnaSus