O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou nesta quarta-feira, 26 de novembro, a antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), localizada no centro do Rio de Janeiro. A decisão reconhece o valor arquitetônico e histórico do prédio, que reúne características do estilo eclético com influência francesa e foi palco de práticas de vigilância, repressão política e tortura em diferentes períodos da história brasileira.
O tombamento encerra um processo iniciado em 2001, quando a Associação de Amigos do Museu da Polícia Civil solicitou o reconhecimento do imóvel como patrimônio. A tramitação avançou de forma lenta e só foi concluída em 2025, após atuação do Ministério Público Federal (MPF) e apoio de organizações da sociedade civil, que consideram o prédio um símbolo da violência de Estado.
O Iphan destaca que esta é a primeira vez que um bem é oficialmente reconhecido como lugar de memória traumática. Segundo o relator do processo, o historiador José Ricardo Oriá Fernandes, a medida cumpre recomendações da Comissão Nacional da Verdade, promove direitos humanos e contribui para enfrentar discursos negacionistas sobre os períodos autoritários do país. Outros locais associados à ditadura militar também estão em análise, entre eles o Doi-Codi, no Rio de Janeiro, a Casa da Morte, em Petrópolis, e o Casarão 600, em Porto Alegre.
A decisão ocorre em um momento simbólico, um dia após a prisão de dois generais condenados por tentativa de golpe de Estado em 2023. Para movimentos sociais, o tombamento é uma conquista histórica e um passo importante para transformar o Dops em um memorial dedicado às vítimas da repressão. “Por cerca de 40 anos nós lutamos para que o Dops fosse transformado em um local de memória”, afirmou a ex-presa política Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais. Para ela, a decisão representa o início de uma política efetiva de memória.
Durante décadas, o prédio recebeu presos políticos de diferentes períodos autoritários, incluindo nomes como Nise da Silveira, Abdias Nascimento e Olga Benário, na ditadura do Estado Novo, e Dulce Pandolfi, durante o regime civil-empresarial-militar após 1964. Na apresentação do processo, o diretor do Iphan, Andrey Schlee, destacou o relato de Dulce Pandolfi como forma de homenagear historiadores e militantes que enfrentaram a repressão e dedicaram a vida a denunciar as violações ali praticadas.
Construído originalmente para sediar a Polícia Federal, o palacete do Dops incorporou tecnologias de vigilância consideradas avançadas à época, como isolamento acústico e estrutura panóptica voltada à observação de presos. O imóvel também reúne elementos ornamentais como vitrais, balaustradas e cúpula cilíndrica. Após anos de uso pela Polícia Civil, a conservação do edifício se deteriorou, especialmente a partir de 2009. Do local foram retirados, por exemplo, mais de 500 objetos de religiões de matriz africana apreendidos entre 1889 e 1964, que hoje integram a Coleção Nosso Sagrado.
Com o tombamento, o prédio localizado na Rua da Relação, número 40, passa a integrar o conjunto de bens protegidos destinados a preservar as marcas das lutas pela democracia. O imóvel não poderá sofrer alterações e deverá ser restaurado e gerido pelo governo federal em diálogo com a sociedade civil, conforme a recomendação do Iphan.
Com informações da Agência Brasil.