
[Foto: Dorivan Marinho / SCO / STF]
O ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal (AP) 2668, abriu nesta terça-feira (02/09) o julgamento dos oito réus do chamado “Núcleo 1” ou “Núcleo Crucial” da denúncia por tentativa de golpe de Estado. Antes da leitura de seu relatório, Moraes ressaltou a independência do Poder Judiciário brasileiro e afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) realiza um julgamento técnico e transparente.
Segundo o ministro, todos os acusados tiveram asseguradas as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, assim como ocorreu nas outras 1.630 ações penais relacionadas aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Moraes explicou que cabe ao STF analisar as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a partir das provas apresentadas. Ele frisou que os réus serão condenados apenas se houver provas acima de qualquer dúvida razoável e que, em caso de inocência ou incerteza quanto à culpabilidade, deverão ser absolvidos.
“Existindo provas, acima de qualquer dúvida razoável, as ações penais serão julgadas procedentes, e os réus condenados. Havendo prova da inocência ou mesmo qualquer dúvida razoável sobre a culpabilidade dos réus, eles serão absolvidos. Assim se faz a justiça”, disse o ministro.
O ministro reforçou que o papel da Corte é julgar com imparcialidade, “ignorando pressões internas ou externas”.
Durante sua fala, Moraes destacou que o STF é um dos tribunais que mais asseguram publicidade e transparência em seus julgamentos.
Ele afirmou que a pacificação do país diante da polarização política depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições. Para Moraes, o Brasil atravessa este momento histórico porque conta com órgãos fortes e independentes, moldados pela Constituição de 1988.
O relator concluiu que o Supremo continuará sendo “inflexível” na defesa da democracia, dos direitos fundamentais, da soberania nacional e do Estado de Direito.
“O Supremo Tribunal Federal sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e em seu compromisso com a democracia, os direitos fundamentais, o Estado de Direito, a independência do Poder Judiciário nacional e os princípios constitucionais brasileiros”, acrescentou o ministro.
PGR
Após a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal (AP) 2668, que trata da tentativa de golpe de Estado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu a procedência da acusação contra os oito réus do chamado Núcleo 1, também denominado “Núcleo Crucial”.
Segundo Gonet, a denúncia descreve a formação e a atuação de uma organização criminosa entre meados de 2021 e o início de 2023, voltada a promover a ruptura da ordem democrática. O procurador-geral afirmou que a acusação foi embasada em provas documentais, como arquivos digitais, planilhas, discursos prontos e mensagens trocadas entre os investigados.
De acordo com a PGR, o grupo era liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e contava com a participação de autoridades de alto escalão do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência. O objetivo, segundo Gonet, era enfraquecer a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, atingir o livre funcionamento dos poderes constitucionais e desacreditar o sistema eletrônico de votação.
O procurador-geral destacou ainda a existência do plano denominado Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato do presidente eleito e de seu vice por envenenamento, além da “neutralização” do ministro Alexandre de Moraes. O projeto envolvia monitoramento de autoridades, compartilhamento de dados de segurança, uso de armamento pesado e admitia a alta probabilidade de mortes.
Embora grande parte das descobertas tenha ocorrido por meio das investigações da Polícia Federal, Gonet ressaltou que a colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid foi relevante para aprofundar a apuração dos fatos.
O procurador-geral observou que os ataques às instituições tiveram como principais alvos o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerados por ele órgãos fundamentais para o equilíbrio democrático e a proteção dos valores constitucionais.
Crimes em análise
Os oito acusados — entre eles Bolsonaro e ex-auxiliares — respondem pelos crimes de:
- Organização criminosa armada
- Atentado violento contra o Estado Democrático de Direito
- Golpe de Estado
- Dano qualificado por violência e grave ameaça
- Deterioração de patrimônio tombado
Somadas, as penas podem ultrapassar 40 anos de prisão.
Réus do Núcleo 1
Respondem à ação penal:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin
- Almir Garnier Santos, almirante e ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do GSI
- Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa
Presença
O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira foi o único entre os oito réus a comparecer presencialmente ao primeiro dia do julgamento . Ao chegar, Nogueira declarou confiar no trabalho da Justiça e nas provas apresentadas pela defesa em suas alegações finais.
“A gente acredita na Justiça e nas provas apresentadas nas nossas alegações finais”, disse Nogueira ao chegar para o julgamento”, disse o ex-ministro.
Já o ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado como líder da trama, não compareceu. Segundo seu advogado, Celso Vilardi, Bolsonaro chegou a considerar a presença, mas desistiu por questões de saúde. “Ele não está bem”.
Os demais réus foram representados por seus advogados.
Defesas dos réus
Na parte da tarde, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu as sustentações de defesa de quatro dos oito réus. As manifestações ocorreram após a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal (AP) 2668, e a fala do procurador-geral da República, Paulo Gonet, em nome da acusação.
Defesa de Mauro Cid
Os advogados Jair Alves Ferreira e Cezar Bitencourt defenderam a validade do acordo de colaboração premiada firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid com a Polícia Federal. Argumentaram que o militar foi orientado e acompanhado por seus defensores durante todo o processo e que não houve descumprimento dos termos do acordo.
Segundo a defesa, embora a delação não seja prova por si só, os fatos relatados auxiliaram na obtenção de elementos contra outros investigados. Os advogados sustentaram que o acordo deve prever perdão judicial e não apenas redução de pena, como propôs a Procuradoria-Geral da República. Eles também afirmaram que Cid não incentivou atos contra a democracia nem repassou mensagens que recebeu sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas.
Defesa de Alexandre Ramagem
O advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto pediu a suspensão da acusação de integração em organização criminosa, alegando que o delito, por ser permanente, deveria ser abrangido pela decisão da Câmara dos Deputados que determinou a suspensão do processo em relação a fatos posteriores à diplomação.
A defesa afirmou ainda que os documentos encontrados no computador de Ramagem não foram encaminhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro e eram apenas anotações pessoais. Também negou que o deputado tenha orientado críticas às urnas eletrônicas ou utilizado de forma irregular a estrutura da Abin, ressaltando que Ramagem sugeriu investigações internas para apurar o uso da ferramenta “First Mile”.
Defesa de Almir Garnier
O advogado Demóstenes Torres negou que o ex-comandante da Marinha tenha oferecido tropas para apoiar medidas autoritárias em favor de Jair Bolsonaro. Ele criticou a inclusão, nas alegações finais da PGR, de fatos que não constavam na denúncia original, como o desfile de tanques em Brasília e a ausência do almirante em cerimônia de passagem de comando, e pediu que tais pontos sejam desconsiderados pelo STF.
Torres também solicitou a rescisão do acordo de colaboração de Mauro Cid, sob o argumento de que houve omissão de informações relevantes.
Defesa de Anderson Torres
O advogado Eumar Roberto Novacki apresentou comprovantes de passagens aéreas emitidas em novembro de 2022 para mostrar que a viagem do ex-ministro da Justiça com a família foi planejada antes dos atos de 8 de janeiro. A defesa sustentou que não há provas de que Torres tenha atuado para interferir no segundo turno das eleições por meio da Polícia Rodoviária Federal e destacou que testemunhas apontaram conduta imparcial do então ministro.
Sobre a “minuta do golpe” encontrada em sua residência, a defesa alegou que o documento já circulava publicamente em dezembro de 2022 e que a acusação atribuiu a ele peso desproporcional.
Próximas sustentações
O julgamento será retomado nesta quarta-feira (03), às 9h, quando serão ouvidos os advogados de Bolsonaro; do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira e do general Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato à vice na chapa de 2022.
A ação penal (AP 2668) terá cinco sessões entre os dias 2 e 12 de setembro, com horários distribuídos entre manhã e tarde: